05/07/12

"E é precisamente o reconhecimento desta idealização deformante que abre o caminho à (...)libertação desse mundo de fantasmas "


O objecto do depressivo é ainda, e em regra, uma personagem altamente masoquista (tenhamos bem presente as características habituais das mães dos depressivos) e exibindo o seu estatuto e condição de vítima, de tal forma que a separação do sujeito, se comporta o seu salvamento, comporta também a recusa de se solidarizar com o trágico destino do objecto, abandonando-o de certo modo à sua sorte. Ora, tal conduta não é fácil de tomar; exige segurança e agressividade e desperta culpa. Por isso a separação tão difícil é; mas se se atinge é o sentimento de triunfo do sujeito que conseguiu libertar-se de uma relação mortificante e destruidora; e assim se compreende que a rotura se acompanhe, muitas vezes, de uma certa elação hipomaníaca. No decurso do trabalho analítico este processo de separação-individuação, acompanhado do luto do objecto primário, passa pela análise interpretativa da ligação masoquista do analisando, libertando a pulsão agressiva inflectida sobre o Self para actividades construtivas e sublimadas.
Outro traço característico do objecto do depressivo é a sua ambivalência: uma atitude de protecção e afecto contrastando com sentimentos de saturação relacional e rejeição, impondo ao investimento do sujeito um esgotante estado de tensão e retenção - "anda à trela" do objecto. (...) e só tendo em atenção estes dois tipos do processo transferencial - o movimento regrediente e repetitivo ( a repetição transferencial, que nos permite reconstruir o passado vivido) e o movimento progrediente e resolutivo (que costumamos designar por retomada da evolução suspensa, e no qual assenta precisamente a mudança de tipo e estilo de relação objectal( - podemos levar a bom termo a análise de um depressivo.
(...) Assim, o mundo interno do indivíduo está ocupado por objectos na realidade perdidos, mas que preenchem o espaço da ilusão. O indivíduo vive com esses introjectos, obviamente insatisfatórios; e bloqueantes da deflexão da líbido sobre o mundo exterior, os objectos da presença e da actualidade - do quotidiano - como bloqueantes ainda da expansão da personalidade. O caminho da cura passa então pela desidealização desses objectos internos.
Há uma certa tendência a valorizar ou fazer jogar aqui a pulsão agressiva: expulsar tais objectos internos pelo desbloquear da agressividade a eles ligada mas inflectida sobre o próprio e/ou transferida para objectos da circunstância. (...) frequentemente trata-se sobretudo do efeito retentivo de uma relação de idealização - relação densa, ocupante, expansiva e inflacionária, que está bem longe de corresponder às características reais  dos objectos introjectados. E é precisamente o reconhecimento desta idealização deformante que abre o caminho à necessária ruptura dos laços afectivos enquistados, com a libertação desse mundo de fantasmas (conscientes e inconscientes) do passado.

  Matos, António Coimbra de. A Depressão. Lisboa; Climepsi Editores, 2007, pp 54 - 55.
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