Mostrar mensagens com a etiqueta Victor Oliveira Mateus (Tradução). Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Victor Oliveira Mateus (Tradução). Mostrar todas as mensagens
17/06/12
Traduzindo...
Poderei a ti confessar-me se assim o pretenderes
e tanto tanto te contarei que, suplicante,
me pedirás que não prossiga com tal horror.
Minha boca dir-te-á que, bem cedo,
a dor começou a fazer seu ninho
neste meu corpo que agora se despede
deste cenário onde outrora se improvisavam
nossos gestos, como escrita de um livro
afinal indecifrável e de sonhos despojado
cujas pesadas páginas um dedo,
lento e glacial, vai implacavelmente virando
até que a náusea e o tempo nos acabem por consumir.
Victor Oliveira Mateus
Original:
" Despedida "
Si quieres confesarme yo te dejo
y tanto te diré que suplicante
pedirás no prosiga tanto horror.
Mi boca te dirá que en tiernos años
el dolor comenzó a hacer su lecho
en esta carne que ahora se despide
del escenario donde se improvisan
nuestros actos, escritos en el libro
indescifrable y vacuo de unos sueños
cuyas pesadas páginas un dedo,
lento y glacial vuelve implacable,
hasta que náusea y tiempo nos consumen.
Piñera, Virgilio. La Isla en Peso. Barcelona: Tusquets Editores, 2000, p 283.
.
09/05/12
Traduzindo...
.Nota - Chantal Mauduit foi uma importante alpinista francesa. A 13 de Maio de 1998 morre, nos Himalaias, soterrada por uma avalanche, enquanto dormia na sua tenda.. Pouco tempo depois André Velter dedica-lhe um dos mais pungentes livros de poesia que conheço: "L'amour extrême". Ontem, finalmente, consegui a coragem para traduzir um poema desta obra.
(Nota 2 - As traduções incluidas neste blogue encontram-se protegidas pela legislação relativa à propriedade intelectual das mesmas. Não é meu hábito levantar quaisquer obstáculos à republicação de trabalhos meus, agradecia, no entanto, e no que diz respeito às traduções, que ma comunicassem...)
Quando não estou a pensar em ti, é ainda em ti que penso.
Quando falo de qualquer outra coisa, é de ti que falo.
Quando caminho - por aí - ao acaso, é para ti que me dirijo.
Abandono todos os livros que não me falam de ti.
Deito fora os poemas que não seguem na direção dos teus lábios.
Rasgo desenhos e pinturas que não ousam seduzir o teu olhar.
E, por fim, destruo qualquer canção que não me traga de volta a tua voz.
Velter, André. L'amour extrême et autres poèmes pour Chantal Mauduit. Paris: Gallimard,
2007, p 120 ( Tradução: Victor Oliveira Mateus).
.
11/05/11
" salvo o que se repete,/ um desfiado enredo na fragilidade da voz "
.
Nada em especial
salvo o que se repete,
um desfiado enredo na fragilidade da voz
e que passa ao longe
como estória fugindo de qualquer moralidade.
O que do braço se projecta é, em si mesmo,
uma mera questão de física,
um corpo, que, grave, procura a sua rota.
O que resta assemelha-se a uns olhos de menina
interrompendo o passo, ou a um cartaz
com a data rasurada na direcção contrária
e a bares que nunca fecham nos dias de trabalho.
Nem dentro, nem desterro.
E no meio de tudo - a literatura.
O poema de José Ángel Garcia Caballero publicado em Catálogos de Valverde 32, Septiembre 2010,
está aqui numa tradução minha.
.
Nada em especial
salvo o que se repete,
um desfiado enredo na fragilidade da voz
e que passa ao longe
como estória fugindo de qualquer moralidade.
O que do braço se projecta é, em si mesmo,
uma mera questão de física,
um corpo, que, grave, procura a sua rota.
O que resta assemelha-se a uns olhos de menina
interrompendo o passo, ou a um cartaz
com a data rasurada na direcção contrária
e a bares que nunca fecham nos dias de trabalho.
Nem dentro, nem desterro.
E no meio de tudo - a literatura.
O poema de José Ángel Garcia Caballero publicado em Catálogos de Valverde 32, Septiembre 2010,
está aqui numa tradução minha.
.
06/12/10
.
Permanece poeta o que criaste.
E a tua morte física ou civil
será o preço. Contudo não deixará de ser
um bom negócio a incrementar
que não passe despercebido aquilo que
tu amaste e tudo quanto
puderam em ti odiar apenas por desvelar
o que deve manter-se oculto mas soa
por entre os ruídos do bosque.
Girões de bruma do que não pode
ser dito em linguagem alguma mas cantam
partindo da folhagem em tuas palavras.
Miguel Veyrat traduzido por Victor Oliveira Mateus
.
Permanece poeta o que criaste.
E a tua morte física ou civil
será o preço. Contudo não deixará de ser
um bom negócio a incrementar
que não passe despercebido aquilo que
tu amaste e tudo quanto
puderam em ti odiar apenas por desvelar
o que deve manter-se oculto mas soa
por entre os ruídos do bosque.
Girões de bruma do que não pode
ser dito em linguagem alguma mas cantam
partindo da folhagem em tuas palavras.
Miguel Veyrat traduzido por Victor Oliveira Mateus
.
28/08/10
( O original deste poema que traduzi aqui, da autoria de Marta López Vilar, encontra-se na lista de autores deste blogue, no nome da autora.)
.
Já nada tento alcançar, nada se apresenta ante a minha porta.
Nenhuma juventude senti a não ser a tua,
nenhuma cidade, nenhum outono derramou
nas minhas mãos os filamentos da luz,
os mistérios do ar.
.
Contigo repousa agora aquele sangue em sonhos
derramado, a noite sem refúgio
com redes de ouro, o coalhado
perfume das papoilas nos teus lábios
enquanto eu contemplo a pátria destruída do teu corpo,
recém abandonado.
.
Contemplo o deus que me arrastou para a vida
jazendo agora na imensa sombra
do que jamais terei...
.
A morte abateu-se sobre o mundo, deus meu,
e nada pode já afastar este meu frio.
.
.
Nota 1 - ver o original na respectiva lista de autores.
Nota 2 - por várias razões, às quais não é alheia a Yourcenar, levei meses tentando ganhar coragem para traduzir este belíssimo poema.
.
05/06/10
" Tudo teve um sentido porque tu/ ditaste as regras da História."
.
Francisco José Martínez Morán traduzido por Victor Oliveira Mateus: o poema Omnia Tibi de
.
"Tras la puerta tapiada", Ediciones Hiperión, Madrid, 2009, p 59 :
.
.
Por ti levantar-se-ão as cidades,
alargar-se-ão as pontes, desenhar-se-ão
os caminhos, as estradas, os jardins.
Em tua honra, estes olhos conhecerão
a ordem e a ruina dos anos
e o passo indiferente das chamas.
Tudo teve um sentido porque tu
ditaste as regras da História.
O mundo é um reflexo do teu corpo,
uma cópia - em esboço - do teu rosto.
.
Francisco José Martínez Morán traduzido por Victor Oliveira Mateus: o poema Omnia Tibi de
.
"Tras la puerta tapiada", Ediciones Hiperión, Madrid, 2009, p 59 :
.
.
Por ti levantar-se-ão as cidades,
alargar-se-ão as pontes, desenhar-se-ão
os caminhos, as estradas, os jardins.
Em tua honra, estes olhos conhecerão
a ordem e a ruina dos anos
e o passo indiferente das chamas.
Tudo teve um sentido porque tu
ditaste as regras da História.
O mundo é um reflexo do teu corpo,
uma cópia - em esboço - do teu rosto.
.
04/09/09
.
.
.
Lava a minha suja memória neste rio de lama.
Com a ponta da tua língua limpa-me por todos os lados.
E não deixes o mínimo vestígio de tudo quanto me prende e cansa.
Ah, caça! Persegue-a em mim, pois só em mim ela vive!
E quando a tiveres sob a alçada do teu fuzil
não escutes as suas súplicas.
Tu bem sabes que ela deve morrer - uma segunda morte.
Então, mata-a! Uma vez mais...
Chora! Também eu, antes de ti, já o fiz,
mas foi em vão.
E quão belos são os soluços inundando as almofadas!
Eu tentei, tentei mas tenho o coração seco e os olhos inchados
(tenho o coração seco e os olhos inchados...)
Então queima! Queima o momento em que te envolves no meu grande leito de gelo,
este leito que, como uma banquisa, se derrete se acaso me abraças.
Nada é mais triste. Nada é mais grave
se tenho o teu corpo como uma torrente de lava.
A minha suja memória neste rio de lama
lava! Lava a minha memória suja
neste rio de lama - Lava!
Alex Beaupain In "Les chansons d'amour" de Christophe
Honoré (tradução de Victor Oliveira Mateus).
.
.
.
.
.
Lava a minha suja memória neste rio de lama.
Com a ponta da tua língua limpa-me por todos os lados.
E não deixes o mínimo vestígio de tudo quanto me prende e cansa.
Ah, caça! Persegue-a em mim, pois só em mim ela vive!
E quando a tiveres sob a alçada do teu fuzil
não escutes as suas súplicas.
Tu bem sabes que ela deve morrer - uma segunda morte.
Então, mata-a! Uma vez mais...
Chora! Também eu, antes de ti, já o fiz,
mas foi em vão.
E quão belos são os soluços inundando as almofadas!
Eu tentei, tentei mas tenho o coração seco e os olhos inchados
(tenho o coração seco e os olhos inchados...)
Então queima! Queima o momento em que te envolves no meu grande leito de gelo,
este leito que, como uma banquisa, se derrete se acaso me abraças.
Nada é mais triste. Nada é mais grave
se tenho o teu corpo como uma torrente de lava.
A minha suja memória neste rio de lama
lava! Lava a minha memória suja
neste rio de lama - Lava!
Alex Beaupain In "Les chansons d'amour" de Christophe
Honoré (tradução de Victor Oliveira Mateus).
.
.
.
22/08/09
traduzindo Tomas Transtromer...
.
"Em Março de 79"
Cansado de todos os que vêm à mistura com as palavras,
com as palavras não com a linguagem,
parto para uma ilha recoberta de neve.
O indomável não se deixa dizer.
As suas páginas brancas desdobram-se em todos os sentidos!
Descubro as pegadas de um veado inscritas na neve.
Nada de palavras, mas sim uma linguagem.
Tomas Transtromer (tradução do francês por Victor Oliveira Mateus)
.
.
.
"Em Março de 79"
Cansado de todos os que vêm à mistura com as palavras,
com as palavras não com a linguagem,
parto para uma ilha recoberta de neve.
O indomável não se deixa dizer.
As suas páginas brancas desdobram-se em todos os sentidos!
Descubro as pegadas de um veado inscritas na neve.
Nada de palavras, mas sim uma linguagem.
Tomas Transtromer (tradução do francês por Victor Oliveira Mateus)
.
.
.
15/05/09
S. João da Cruz traduzido por...
ESPOSA
Aonde te escondeste,
Amado, que me deixaste com tal gemido?
Como veado correste,
Tendo-me ferido;
Saí atrás de ti clamando, mas já tu eras ido.
Pastores, vós que ides
Além pelas malhadas do outeiro,
Se por ventura virdes
Aquele que mais quero,
Dizei-lhe que peno, morro e espero.
Buscando meus amores,
Irei por esses montes e ribeiras,
Nem colherei flores,
Nem temerei feras,
Antes passarei fortes e fronteiras.
PERGUNTA ÀS CRIATURAS
Oh bosques e matas de tanta espessura,
Tudo plantado pela mão do meu Amado!
Oh prado de verdura,
De flores esmaltado,
Dizei-me se por vós ele tem passado!
RESPOSTA DAS CRIATURAS
Mil graças derramando,
Passou por estes soutos com ligeireza,
E para eles olhando,
Com sua figura e destreza,
Vestidos os deixou de beleza.
ESPOSA
Ai quem me poderá curar?
Vem, entrega-te em acto puro e verdadeiro,
Não insistas em enviar
Nenhum outro mensageiro,
Que não saiba o que quero primeiro.
Pois todos os que me vêm visitar,
De ti mil graças vão contando,
E todos acabam por ulcerar,
Pelo que vão balbuciando,
O que em mim se vai finando.
Mas, como podes insistir,
Oh vida, não vivendo onde vives?
Levam-te daqui a partir,
Os dardos que recebes,
Do que do Amado concebes.
Porquê, pois, teres golpeado
Este coração, não o curando,
Já que mo tinhas roubado?
E porquê ires assim deixando,
Todo o saque que vais tirando?
Que meus pesares, por ti, apagados sejam,
Já que nenhum outro os pode desfazer,
E que meus olhos, por fim, te vejam,
Pois és a luz que os faz ver,
E só por ti os quero ter.
Revela-me a tua presença,
Mata-me com essa aparição e formosura;
Olha que toda a doença
De amor, apenas se cura
Com a presença e a figura.
Oh fonte de cristal tão brilhante,
Se nesses teus traços prateados,
Formasses num mero instante,
Esses olhos almejados
Que em mim tenho desenhados!
Afasta-os, Amado,
Que meu voo se inicia!
ESPOSO
Volta, pomba, para meu lado,
Que o cervo magoado
Pelo outeiro aparece
Ao ar do teu voo, e aí reverdece.
ESPOSA
Amado meu, as montanhas,
Os vales solitários e nemorosos,
As ilhas estranhas,
Os rios rumorosos,
O silvo dos ventos amorosos.
A noite sossegada
Aquando do surgir da aurora,
A música silenciada,
A solidão sonora,
A ceia que alegra e enamora.
.........................
Oh ninfas da Judeia,
Enquanto que nas flores e roseirais
O âmbar balanceia,
Ficai onde morais,
Sem quererdes tocar nossos umbrais!
Esconde-te, Amado,
E olha com tua face as montanhas,
Mas nada querendo enunciado:
Observa também as companhas
Da que vai por ilhas estranhas.
............................
Desfrutemo-nos Amado,
E vejamos na tua formosura
O monte e o colado,
Donde brota a água pura;
Entremos mais adentro na espessura.
E logo nas subidas
Em cavernas de pedras entraremos,
Que estão bem escondidas,
Mas ali iremos,
E o mosto das romãs provaremos.
Ali me mostrarias
Aquilo que minha alma pretendia,
E depois me darias
O que me deras noutro dia,
Tu, vida, que eu tanto requeria.
O aspirar do ar,
Do rouxinol a doce cantilena,
O bosque e seu embelezar
Na noite serena,
Com chama que consome e não dá pena.
Que ninguém o olhava,
Aminadab tão-pouco aparecia,
E o cerco sossegava,
E a cavalaria
Ao ver as águas descia.
S. João da Cruz In "Poemas de S. João da Cruz",
Coisas de Ler Ed., 2002, pp 17-35. (Edição bilingue
com tradução de Victor Oliveira Mateus).
Nota - Traduzir é sempre uma tarefa bastante complexa, sobretudo
quando estamos frente a grandes textos de poesia. No caso presente
tenho consciência de ter feito um trabalho bastante discutível, pois
estava frente a um autor cujas obras em prosa dominava (e domino)
razoavelmente. Ainda hoje considero "A subida ao Carmelo" o grande livro
de João da Cruz, por isso sacrifiquei aspectos formais desta poesia à coerência
interna de um pensamento. Nestas questões muitas são as opções e todas elas legítimas!...
Aqui usei, como base de trabalho, a edição do Padre Silvério de Santa
Teresa, C.D. (obras de San Juan de la Cruz, Burgos, 1929-31).
.
.
Aonde te escondeste,
Amado, que me deixaste com tal gemido?
Como veado correste,
Tendo-me ferido;
Saí atrás de ti clamando, mas já tu eras ido.
Pastores, vós que ides
Além pelas malhadas do outeiro,
Se por ventura virdes
Aquele que mais quero,
Dizei-lhe que peno, morro e espero.
Buscando meus amores,
Irei por esses montes e ribeiras,
Nem colherei flores,
Nem temerei feras,
Antes passarei fortes e fronteiras.
PERGUNTA ÀS CRIATURAS
Oh bosques e matas de tanta espessura,
Tudo plantado pela mão do meu Amado!
Oh prado de verdura,
De flores esmaltado,
Dizei-me se por vós ele tem passado!
RESPOSTA DAS CRIATURAS
Mil graças derramando,
Passou por estes soutos com ligeireza,
E para eles olhando,
Com sua figura e destreza,
Vestidos os deixou de beleza.
ESPOSA
Ai quem me poderá curar?
Vem, entrega-te em acto puro e verdadeiro,
Não insistas em enviar
Nenhum outro mensageiro,
Que não saiba o que quero primeiro.
Pois todos os que me vêm visitar,
De ti mil graças vão contando,
E todos acabam por ulcerar,
Pelo que vão balbuciando,
O que em mim se vai finando.
Mas, como podes insistir,
Oh vida, não vivendo onde vives?
Levam-te daqui a partir,
Os dardos que recebes,
Do que do Amado concebes.
Porquê, pois, teres golpeado
Este coração, não o curando,
Já que mo tinhas roubado?
E porquê ires assim deixando,
Todo o saque que vais tirando?
Que meus pesares, por ti, apagados sejam,
Já que nenhum outro os pode desfazer,
E que meus olhos, por fim, te vejam,
Pois és a luz que os faz ver,
E só por ti os quero ter.
Revela-me a tua presença,
Mata-me com essa aparição e formosura;
Olha que toda a doença
De amor, apenas se cura
Com a presença e a figura.
Oh fonte de cristal tão brilhante,
Se nesses teus traços prateados,
Formasses num mero instante,
Esses olhos almejados
Que em mim tenho desenhados!
Afasta-os, Amado,
Que meu voo se inicia!
ESPOSO
Volta, pomba, para meu lado,
Que o cervo magoado
Pelo outeiro aparece
Ao ar do teu voo, e aí reverdece.
ESPOSA
Amado meu, as montanhas,
Os vales solitários e nemorosos,
As ilhas estranhas,
Os rios rumorosos,
O silvo dos ventos amorosos.
A noite sossegada
Aquando do surgir da aurora,
A música silenciada,
A solidão sonora,
A ceia que alegra e enamora.
.........................
Oh ninfas da Judeia,
Enquanto que nas flores e roseirais
O âmbar balanceia,
Ficai onde morais,
Sem quererdes tocar nossos umbrais!
Esconde-te, Amado,
E olha com tua face as montanhas,
Mas nada querendo enunciado:
Observa também as companhas
Da que vai por ilhas estranhas.
............................
Desfrutemo-nos Amado,
E vejamos na tua formosura
O monte e o colado,
Donde brota a água pura;
Entremos mais adentro na espessura.
E logo nas subidas
Em cavernas de pedras entraremos,
Que estão bem escondidas,
Mas ali iremos,
E o mosto das romãs provaremos.
Ali me mostrarias
Aquilo que minha alma pretendia,
E depois me darias
O que me deras noutro dia,
Tu, vida, que eu tanto requeria.
O aspirar do ar,
Do rouxinol a doce cantilena,
O bosque e seu embelezar
Na noite serena,
Com chama que consome e não dá pena.
Que ninguém o olhava,
Aminadab tão-pouco aparecia,
E o cerco sossegava,
E a cavalaria
Ao ver as águas descia.
S. João da Cruz In "Poemas de S. João da Cruz",
Coisas de Ler Ed., 2002, pp 17-35. (Edição bilingue
com tradução de Victor Oliveira Mateus).
Nota - Traduzir é sempre uma tarefa bastante complexa, sobretudo
quando estamos frente a grandes textos de poesia. No caso presente
tenho consciência de ter feito um trabalho bastante discutível, pois
estava frente a um autor cujas obras em prosa dominava (e domino)
razoavelmente. Ainda hoje considero "A subida ao Carmelo" o grande livro
de João da Cruz, por isso sacrifiquei aspectos formais desta poesia à coerência
interna de um pensamento. Nestas questões muitas são as opções e todas elas legítimas!...
Aqui usei, como base de trabalho, a edição do Padre Silvério de Santa
Teresa, C.D. (obras de San Juan de la Cruz, Burgos, 1929-31).
.
.
02/12/08

"Les oiseaux journaliers"
Quand les oiseaux ouvrent le matin
ou brunissent sur les arbres nos places,
il s'ouvre un espace à l'intérieur de l'âme
qui ignore les règles du temps,
y élevant la maison
et attendant sereinement
ce que nous ne saurons jamais
sur ce que la mort peut être.
Jusqu'à ce qu'ils partent un jour
vers le coeur le plus voilé,
gardé en nous
comme la plus longue nuit,
fermée en nous
comme la mémoire plus pure.
Victor Oliveira Mateus traduzindo Pompeu Miguel Martins,
op. cit. p 39.
Nota - os meus reconhecidos agradecimentos à equipa de
revisão/ajuda: muitas foram as nossas discussões em torno
de uma palavra, de uma formulação, de um verso... Houve
mesmo um poema que chegou a "estar retido" cerca de dez
dias até que chegassemos a um acordo. Foi bom trabalhar
convosco!
Nota 2 - os nomes de todos os elementos do projecto estão
no lado direito do blogue.
28/04/08
Poetas

"Noite escura"
Numa noite escura,
Por tormentos amorosos inflamada
(Oh, ditosa ventura!)
Saí sem ser notada,
Estando já minha casa sossegada.
Disfarçada, segura,
Na escuridão subi a secreta escada,
(Oh, ditosa ventura!)
Oculta e emboscada,
Estando já minha casa sossegada.
Nessa noite ditosa,
Em segredo, quando ninguém me via,
Saí sem olhar, suspeitosa,
E sem outra luz nem guia,
Se não a que em meu coração ardia.
Só ela me guiava,
Mais certeira que a luz do meio-dia,
Aonde me esperava
Aquele que eu bem sabia,
Nesse lugar onde mais ninguém surgia.
Oh noite, que me guiaste!
Oh noite, mais amável que a alvorada!
Oh noite que juntaste,
Amado com amada,
Sendo esta naquele transformada!
No meu peito florido,
Que inteiro só para ele se guardava,
Ali ficou adormecido,
Enquanto eu tudo lhe ofertava,
E um renque de cedros brisa dava.
Das ameias a aragem plena,
Quando eu seus cabelos espargia,
Com a sua mão serena
O meu pescoço feria,
E todos os meus sentidos suspendia.
Fiquei, e de mim me esqueci,
O meu rosto reclinado sobre o Amado,
Tendo tudo cessado por si,
Deixando o que antes fora cuidado,
Entre as açucenas olvidado.
In "Poemas de S. João da Cruz" (edição bilingue)
em tradução (e prefácio) de Victor Oliveira Mateus,
Ed. Coisas de Ler.
14/04/08
Poetas
Deusa imortal, do teu ornado trono,
tecelã de mil penas, Afrodite, escuta:
não atormentes mais com pesar e angústias
minha alma senhora,
aproxima-te antes, se a minha voz ao longe
de novo ouviste e me escutaste
e deixando para trás tua esplendorosa casa
pátria vieste,
após jungir teu carro; belos gorriões
à negra terra ligeiros se atiravam
e com suas fortes asas desde os céus
o ar fustigavam.
E pronto chegaram, e tu, ditosa,
com teu divino rosto me sorrias
perguntando-me o que se passava, por que
outra vez te chamava
e o que quero que em minha alma louca
aconteça agora: "A quem desejas
que teu amor eu leve? Ai, Safo, diz-me,
quem assim te faz dano?"
Pois se de ti fugiu, em breve virá buscar-te;
se aceitar não quis, oferendas te fará;
amar-te-á prestes, se te não ama,
ainda que o não queira."
Vem também agora, livra-me de tão amargas
penas, consente o que a minha alma
anseia ver cumprido e sê nesta guerra
minha aliada.
Safo,"Fragmentos Poéticos" (Trad. de Victor Oliveira Mateus),
Ed. Coisas de Ler
tecelã de mil penas, Afrodite, escuta:
não atormentes mais com pesar e angústias
minha alma senhora,
aproxima-te antes, se a minha voz ao longe
de novo ouviste e me escutaste
e deixando para trás tua esplendorosa casa
pátria vieste,
após jungir teu carro; belos gorriões
à negra terra ligeiros se atiravam
e com suas fortes asas desde os céus
o ar fustigavam.
E pronto chegaram, e tu, ditosa,
com teu divino rosto me sorrias
perguntando-me o que se passava, por que
outra vez te chamava
e o que quero que em minha alma louca
aconteça agora: "A quem desejas
que teu amor eu leve? Ai, Safo, diz-me,
quem assim te faz dano?"
Pois se de ti fugiu, em breve virá buscar-te;
se aceitar não quis, oferendas te fará;
amar-te-á prestes, se te não ama,
ainda que o não queira."
Vem também agora, livra-me de tão amargas
penas, consente o que a minha alma
anseia ver cumprido e sê nesta guerra
minha aliada.
Safo,"Fragmentos Poéticos" (Trad. de Victor Oliveira Mateus),
Ed. Coisas de Ler
Subscrever:
Mensagens (Atom)