04/12/08



Eu cantei já, e agora vou chorando
o tempo que cantei tão confiado;
parece que no canto já passado
se estavam minhas lágrimas criando.

Cantei; mas se me alguém pergunta quando:
"Não sei, que também fui nisso enganado".
É tão triste este meu presente estado
que o passado por ledo estou julgando.

Fizeram-me cantar, manhosamente,
contentamentos não, mas confianças;
cantava, mas já era ao som dos ferros.

De quem me queixarei, que tudo mente?
Mas eu que culpa ponho às esperanças
onde a Fortuna injusta é mais que os erros?

Luís de Camões, In "Lírica Completa Vol. II",
Imprensa Nacional - Casa da Moeda, p 193.

(Nota de Maria de Lurdes Saraiva - "Soneto autobiográfico. O tema
fundamental é o do engano, ideia que é sucessivamente reformulada
no soneto em planos progressivamente mais complexos e subtis: chora
o tempo em que cantou (...)Sabe que cantou; mas nem sabe quando,
porque pode ser ilusória essa percepção de um antigo tempo feliz(...) O
canto anterior não foi inspirado por alegrias, mas por esperanças sem
fundamento(...) Se tudo é mentira e engano, de quem se queixará? É o
próprio choro que não tem razão de ser (...) a culpa da sua infelicidade;
não foram os seus erros, mas o Destino iníquo, que decidiu da sua sorte")
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