19/06/12


Que certas vezes ele seja o ar e outras o vento, que se aproxime e entre e se deite e espere e me desça e me suba e me dobre suavemente como se dobram os girassóis na tarde que declina e depois adormeça num sonho de dois, eu e ele, verso e reverso, enfermidade e cura, culpa e redenção, e depois me leve para os litorais de onde vem. Mas ele não vem.
Ancorado, naquela curva que só eu conheço, está um bote. Quando se revela a claridade, ainda que ténue e difusa, pego nos remos e parto, como se procurasse, sem qualquer razão, um vislumbre de trigo e catedrais. Paro, entretanto, e deito-me, inspirando os sargaços.
(...) São estas as horas em que não te procuro, meu irmão. Sei que muito perto da casa corres atrás dos cães, e depois partes, para os territórios da alcateia, E eu aqui, à espera, à espera, à espera. Dele, da lua, de vénus, do cruzeiro do sul, do arado, do leão, de uma pancada mais forte em cada metade do coração. Sento-me, deito-me, levanto-me, acordo, adormeço, e aperto no peito quatro penas brancas(...) Neste entardecer, nesta lentidão de pássaros e nuvens, abandono-me, embalo-me, esqueço. E ele não vem..

  Baptista, José Agostinho. O Pai, a Mãe e o Silêncio dos Irmãos. Lisboa: Assírio & Alvim, 2009, pp 30 - 32.