11/08/08




         " SONETO "


Amor desta tarde que arrefeceu
as mãos e os olhos que te dei;
amor exacto, vivo, desenhado
a fogo, onde eu próprio me queimei;

amor que me destrói e destruiu
a fria arquitectura desta tarde
- só a ti canto, que nem eu já sei
outra forma de ser e de encontrar-me.

Só a ti canto, que não há razão
para que o frio que me queima os olhos
me trespasse e me suba ao coração;

só a ti canto, que não há desastre
donde não possa ainda erguer-me
para encontrar de novo a tua face.


Eugénio de Andrade, In "Antologia (1940-1961)",
Ed. Delfos, pgs. 95/6.