22/04/08

Poetas

" Cold" (2008), Foto de Carla Nunes


"Migrar"

Matrimónio de vogais: agora nada.
Fica a distância entre o corpo e a palavra.
Sequer a marca do sol ou da sarça.
Faróis azuis na memória, e mais nada.

Além do mar, o tempo não traga.

Gaivotas mergulham sem regressar ao quadro.
Nenhum nome persiste além do enigma: migrar sempre.
E esta noite é tudo o que temos.

Toda palavra é precária: flor, pauta de aves, rosa clara.
Nada persiste além da chaga.
Seus instantes de amor, suor e toque, a enseada.
A solidão não une. Tudo nos separa.

Além do mar.

Negro, meu espírito recorda o exílio prolongado.
O golpe solar não muda esta noite, minha pele.
Todo nome é grave e transfigura.
Só posso oferecer esta noite, e mais nada.

A morte eclode em cada verso. Nudez necessária.
E só posso oferecer isto: o sonho primitivo dos corpos em busca.
A mágoa.
Renuncio ao amor, pois sou precária.

Outros amantes espalham gemidos pela casa.
São todos comuns em seus homicídios e meias-verdades.
Uma vez foi dito: é para sempre. Ao meio-dia, uma vez e basta.
O espelho sempre nos mostra o que nos falta.

Mesmo esta paisagem sucumbe em seus vocábulos.
É belo naufragar entre os meus lábios.
Renuncio a ti, amor, pois sou precária.
Além do mar, um país sem nome me aguarda.


Maiara Gouveia