18/05/09




           "Atlântico"


Sempre que atravesso o oceano
suspeito que algo se abre na distância
quando cruzo o crepúsculo sem pássaros
é como se começasse a viver de novo
mas uma vida outra/ desprendida
de um passado até agora inexplicável

clemências e longínquas efusões
assomam implacáveis na massa de nuvens
talvez para medir o meu esboço de infinito
e há pobres abalos de uma verdade a toda a prova
um rufar de tambores que perturbaram o descanso
marcas de esperanças ou de tédio

por isso sempre que atravesso o oceano
os ouvidos isolam-me/ a memória zumbe
as hospedeiras oferecem o seu sorriso estudado
e o piloto encarrega-se da minha alma
é como se morresse por instantes
mas uma morte nova/ em equilíbrio


Mario Benedetti In "O Mar na Poesia da América Latina",
Assírio & Alvim, Lisboa, 1999, p 385 (Organização de Isabel
Aguiar Barcelos e Tradução de José Agostinho Baptista).
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