06/12/09

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Coordenador d'O Livro Negro da Feira do Livro de Lisboa (Jornal, 1985), sobre a abstrusa proibição de venda de revistas no recinto da Feira do Livro, dos álbuns (Re)Descobrir Stuart e A Vida das Imagens (Diário de Notícias, 1989 e 1994) e Grandes Repórteres Portugueses da I República, Pedro Foyos, polivalente no campo do jornalismo, tem-se dedicado muito intensamente à fotografia, dirigindo diversas revistas da especialidade.
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1. Contextualização
No romance, publicou um muito bem fundamentado romance histórico, de qualidade superior, O Criador de Letras (Hespéria, 2009), sobre a vida quotidiana no Próximo Oriente e a invenção do alfabeto, e, na rentrée escolar deste ano, um romance marcante na literatura juvenil portuguesa, Botânica das Lágrimas, livro de leitura aconselhada a professores e, sobretudo, alunos do ensino básico (3º ciclo) e secundário.
Integrado na corrente literária designada internacionalmente por young adult fiction, o romance de Pedro Foyos prossegue a linha pioneiramente desbravada, após o 25 de Abril de 1974, por Alice Vieira, Ilse Losa, Luísa Dacosta, Maria Alberta Menéres, António Torrado, Luísa Ducla Soares, José Jorge Letria, João Aguiar, António Mota, Ana Saldanha, Álvaro Magalhães, Maria do Rosário Pedreira e Maria Teresa Maya Gonzalez, Conceição Coelho, Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães (e muitos, muitos outros) de actualização do romance juvenil em Portugal, que, indubitavelmente, pelo serviço público de leitura e pelo número de vendas, tem atravessado uma autêntica fase de ouro.
Face à literatura juvenil clássica (Swift, H.C. Anderson, Stevenson, Júlio Verne, E. Salgari, M. Twain, Enid Blyron, Ana de Castro Osório, Ricardo Alberty, Simões Mueller...), o conteúdo das histórias pertinentes à nova literatura juvenil portuguesa tem operado três substituições:
a) abandonou a componente moralista e/ou religiosa enformadora de muitos textos clássicos, não raro expressão de preconceitos sociais coevos, fortemente aculturadores da mente das crianças, substituindo-a por uma visão ecolágica, socialmente relativista e etnicamente multicultural das relações sociais, deixando entrar nos textos o novo Portugal democrático e europeu, tolerante e lusófono;
b) abandonou o tema da evidenciação ostensiva dos aleijões sociais ( o órfão, a criança enjeitada, analfabeta e miserável; os bairros de barracas...), substituindo-o pela vida diária de uma criança pequeno-burguesa dos subúrbios ou de classe média urbana (o público leitor privilegiado), tecnologicamente activa, cientificamente informada e individualmente carregada de iniciativa;
c) substitui as antigas histórias mitológicas célticas e greco-romanas, dotadas de um estendal de seres mágicos (sereias, silvos, nereidas, grifos, unicórnios, fadas, gigantes denignos, anões malignos, bruxas velhas de narigueta e verruga...), por um universo fantástico novo fundado na ciência e na tecnologia, unindo estas aos antigos processos mentais míticos e mágicos, como a saga de Harry Potter o prova abundantemente. Uma característica, no entanto, permanece idêntica entre a literatura juvenil clássica e a actual - no fim da aventura, o herói e o leitor são invariavelmente recompensados pelo regresso (mais ou menos triunfante) à ordem benigna interrompida pela irrupção do mal.
Em síntese, a literatura juvenil, clássica ou actual, alimenta-se de duas categorias - o realismo e o fantástico -, de cuja combinação nascem tanto a sua atractiva beleza quanto os seus limites. Neste sentido, literariamente falando, o século XX pode ser considerado o tempo de irrupção e independência da literatura juvenil portuguesa, para o qual muito contribuiu, sem dúvida, num outro registo, O Romance da Raposa (1929), de Aquilino Ribeiro, e as As Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo (1963), de José Gomes Ferreira, livros absolutamente admiráveis..
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2.Botânica das Lágrimas
Botânica das Lágrimas não só obedece às quatro características acima indicadas, como, de certo modo, as resume, evidenciando-se, assim, como um belíssimo romance juvenil de aventura, fundado em dois pólos, o realismo e o fantástico, de obrigatória leitura, repetimos, pelos professores de ensino básico e secundário. Debruçado sobre um tema de grande actualidade nas escolas - o bullying ("tirania juvenil de forma continuada em ambientes escolar", p.374), Botânica das Lágrimas captou em perfeição o ambiente escolar próprio da prática do bullying (a extorsão de dinheoro aos mais novos, a destruição de bens pessoais, o "corredor da morte"...), a personalidade frágil mas ostensiva da prática de Rufino Cromado, de cérebro sobredotado, mas psicologicamente abjecto, de Simão-mão-de-betão, de Jeco Marado, a personalidade igualmente frágil mas corajosa dos "capitães" dos "Guerreiros Valentes", alunos mais novos que se sentem violentados e humilhados por esta prática, revoltando-se contra ela, nomeadamente Leopoldo, o "General Leo", e o seu ajudante "Bravo Toninho".
Do mesmo modo, o autor opera uma harmoniosa ligação ao exterior da escola, seja através da evidenciação de um leque de sentimentos próprio da puberdade (orgulho, revolta, vaidade, companheirismo, amor próprio, atracção sexual...), seja através da relação terna e angustiada entre Leopoldo e a sua mãe, hospitalizada (vergonha de chorar, necessidade forçada de se tornar adulto). Porém, a chave de ouro de Botânica das Lágrimas reside, indibitavlemente, por um lado, na opção pelo Jardim Botânico, em Lisboa, como cenário maior do romance (a visita de estudo "Passeio Plantástico"), e na utilização majestosa da figura do professor Brotero como guia (homenagem ao botânico Félix Avelar Brotero, mas também ao professor Fernando Catarino, aliás, citado no romance, como Rómulo de Carvalho/ António Gedeão e Viiriato Soromenho Marques), e, por outro, pela introdução do fantástico através do encontro de Leopoldo com Camões e do diálogo daquele com as árvores, diálogo diversificado consoante a natureza (isto é, a personalidade) de cada árvore. Esta é, de facto, a ideia chave do livro, que terá forçado o autor a uma demorada investigação científica, ilustrada pelos úteis anexos do romance. O mais forte momento dramático do romance reside, assim, na ajuda que o reino vegetal do Jardim Botânico presta aos "Guerreiros Valentes# no combate contra o bando do Ruffino Cromado e a prática do bullying, repetindo, em 2009, o episódio republicano da "Grande Coça de 1914".
Uma forte chamada de atenção para a atractiva combinação de aparatos estéticos: (1) a mancha gráfica do romance, dotada de um apurado jogo de letras e de separadores, (2) a divisão dos capítulos por minutos (entre as 9h,15 e o meio-dia), (3) o entreacto "trágico" ligado á história da implantação da República e (4) a intercalação no texto de quadros que se, por um lado, vão sintetizando a história das peripécias do General Leo, anunciam, por outro, "nós" bloqueadores da intriga, que o sesenrolar da história posteriormente desbloqueará.
Belíssimo romance para ser incluído no "contrato de leitura" do programa da disciplia de Português e partilhado em sala de aula entre professores e alunos.
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"Miguel Real In "JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias", Ano XXIX/Nº 1022, de 2 a 15 de Dezembro de 2009, pp 22 - 23 .
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