10/11/10

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- Estúpido de merda - disse eu. Tinha-me levantado, sem tencionar fazê-lo. - O Bobby não tem feito outra coisa nesta vida se não adorar-te. E tu não tens feito outra coisa se não abandoná-lo. Não tens o direito de falar assim com ele.
- Oh, e tu também me saíste uma bela prenda - disse ele. - Deixas que eu me apaixone por ti e depois começas a dormir com o meu melhor amigo. És mesmo a pessoa indicada para me dizeres aquilo que tenho o direito de fazer.
- Espera lá. Eu deixei que te apaixonasses por mim? Quem é que disse que estavas apaixonado por mim?
- Disse eu. Digo-o agora. Apaixonado por vocês os dois. E agora só quero que me deixem em paz.
- Jon - chamou Bobby. - Oh, Jon...
- Tenho de sair daqui - disse Jonathan. - Sinto que vou enlouquecer aqui dentro. Até logo.
- A tua mãe levou o carro.
- Então vou a pé.
Levantou-se do cadeirão e saiu pela porta da frente. A porta fechou-se atrás dele com um suspiro patético - o som da madeira barata encaixando numa moldura de alumínio.
- Vou atrás dele . disse Bobby.
- Não. Deixa-o ir, deixa-o refrescar as ideias. Ele volta.
- Não. Tenho de falar com ele. Tenho estado aqui sentado sem abrir a boca.
- O pai dele acabou de morrer - lembrei-lhe. - Ele não está no seu perfeito juízo. Precisa de estar sozinho.
- Não, tem estado sozinho há demasiado tempo - disse Bobby. - Precisa que eu vá atrás dele.
Bobby libertou-se das minhas mãos e correu para a porta. Não teria conseguido detê-lo mesmo que tentasse (...). Saí atrás deles. Não para intervir, mas simplesmente porque não queria ficar à espera deles, sozinha, naquela casa imaculada.
Pela altura em que saí de casa, Jonathan já estava a um quarteirão de distância. Era uma figurinha ridícula a caminhar apressadamente, de cabeça baixa, sob a luz de um candeeiro. Cheguei ao passeio a tempo de ouvir Bobby chamar por ele. Ao ouvir o seu nome, Jonathan começou a correr sem olhar para trás. Bobby desatou a correr atrás dele. E eu, nervosa por me deixarem sozinha naquela casa assombrada, corri atrás de Bobby.
Bobby era o mais rápido dos três. Eu nunca fazia exercício, estava grávida, e tinha uns sapatos de salto alto que me obrigavam a correr como a heroína de um thriller(...)
Dois quarteirões à minha frente, Bobby alcançou Jonathan(...) Vi Jonathan espernear (...) e atingir Bobby com um soco.(...) Caíram juntos, golpeando-se um ao outro com os punhos.
- Parem com isso - gritei. - Seus parvalhões. Parem, ouviram? - Quando cheguei ao pé deles estavam a rebolar pelo chão (...). Ao fim de uns momentos consegui agarrá-los aos dois pelo cabelo e arrepelei-os com toda a força. - Parem - disse eu. - Parem. Imediatamente.
Pararam. Não lhes larguei o cabelo até estarem separados e sentados frente a frente no alcatrão macio da rua. O golpe na cara de Jonathan sangrava. (...) - Idiotas - gritei. - Vocês são mesmo doidos, não são? Vocês os dois.
- Somos - respondeu Bobby. E, no mesmo instante, desataram ambos a rir.
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Michael Cunningham in "Uma casa no fim do mundo", Gradiva, Lisboa, 2003,
pp 245 - 247 ( Tradução: Rui Pires Cabral).
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