27/04/11

" E prossigo viagem, já noutros modos de transporte "

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" Interiores"

Equipei-me, a largos brados de adaga, dentro de uma
floresta hirsuta,
para a navegação do silêncio: Carregei
barcos de fruta
para despejar à boca de um deserto...
E prossigo viagem, já noutros modos de transporte:
Aluguei um ómnibus
muito muito a dirigir-se para o norte, onde
a própria morte
é consumível.

Porém à beira-morte que palavras?
- À beira-morte, não haverá palavras:
à beira-morte oh os destroços
sobre águas duma súbita
enxurrada verdascando o inútil
suor das hortas cultivadas .../...

E sinto pelos membros e no sangue
os frios finos fios duma rede
de eléctrodos
dessa guerrilha palpando destruir-me:
suicidas guerrilheiros dentro ao corpo
cumprindo como em selva palmo a palmo
o plano saciado em vigílias: "Demolir:
qualquer ponte ou arado, ou cavilha!"

- Um princípio sensato resta porém fértil
ou um resto ( que frágil) de senso
em torno - indecifrável - do bolor:
"Pior, é que morrer, nunca nascido: E é, morrer, um
fruto
com talvez interior".

 J. O. Travanca-Rêgo in "Homenagem a Ferreira de Castro", Universitária Editora,
Lisboa, 1998, pp 27 - 28.
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