03/11/12

"Mas este poeta desistiu de tudo e quis a moribunda, quando ele chega a casa ela está lá, ao lume, a escrever um livro"


O poeta acredita que, em breve, alguém deixará o seu patrão para o vir acompanhar. A revolução. Parar imediatamente com isso de dar de comer à raposa e às uvas. Perseguir o segredo de irritar jurados e lhes ensinar poesia, é da linhagem das histórias mais animalescas a vontade de aprender a nomear surdinas e bobos, pratos e palmas. O poeta vai meter um espeto nesta eleição. O seu livro de estreia mista harmónio de fusões com limpeza de armazéns. É o camisola amarela que faltava à morte e a todo o grupo do estilo mortássico para sempre, fundo da erva-ursa transposto às motrizes de letra, corroendo poema e relógio, memória e vontade.
 
Virá salvar-nos, não pelo amor, mas porque nos ensinará a medir espasmos entre palavras. Na verdade, beijar-nos-á. Depois de esperma tremoços. Seremos salvos, não por prémios nem por sacrifício de sapos no terreiro, mas porque o poeta provar-nos-á que as nossas lâmpadas não são redondas e  assim nada prevêem. Andaremos salvos pela arte do susto e reembolso, " vamos chegar aí por bombardeamento", esperaremos a Musa do futuro sem nada para trocar.
 
O cão do pastor despenteia-a todas as tardes. Ela tenta convencer o Mestre a recolher os marcos de um país, um a um e sem cabras. A Musa desejava assim internacionalizar-se na arte performativa da terra. Adora testar novos veículos.
 
O poeta silenciou o nadador salvador para, a meio do estreito, seguir no motor da bolina do Sereia de Lagos passando para um perfil de santo na esquiva de proa. Filho de uma louca sem dentes, um povo se encostará à sua cabeça. Mas este poeta desistiu de tudo e quis a moribunda, quando ele chega a casa ela está lá, ao lume, a escrever um livro. Ela diz agulha quando olha para o indicador, tem os olhos riscados por um pavão que brinca com binóculos de voyeur para ver o seu próprio suicídio. (...) Nunca mais exigiu uma introdução, era uma suspeita que usava roupas coloridas. Com a força do pensamento trocava poemas em bibliotecas.
 
  Moura, Nuno. Prémio Nacional de Poesia. S/c: MiaSoave, 2012, pp 18 - 19.
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