06/04/13

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       "  Poema  18.  "


Atirei-te com um poema
não pela porta, nem pelo tubo de escape: deixei-to preso
no limpa-vidros               Atirei-te com um poema, mas tu
não estavas       durante mais de três dias não vieste
a casa         e o meu pobre poema ali ficou: perdido
imerso no ruído dos outros carros, no passar fétido
de todas as errâncias, que não a minha
sempre a ler sonhos na frieza das ruas


Atirei-te com um poema
escrito por outro que não eu: deixei-to preso
no limpa-vidros, para que te limpasse o dia
                           para que te abrisse o horizonte
nas riscas brancas de um qualquer navio
ou nas malhas acesas da madrugada
quando me perco na sedução vaga do teu olhar


Sei que irás suspeitar de mim
pensarás que ando agora pelas ruas
                                                 atirando poemas
como pássaros       a todo o rosto entrevisto
no clamor sórdido dos dias
Irás supeitar deste mistério que é o meu para ti
enquanto eu, artilhando a minha-espingarda-dos poemas,
te preparo este, para ser mais certeiro, mais eficaz
Este poema que te desperte,
que te traga de volta, que


   Mateus, Victor Oliveira. A Noite e a Voz. Lisboa: Universitária Editora, 2001, p 47 (Prefácio de Ana Paula Dias).
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