25/01/12


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     " Ladainha "


Entre mim e a palavra o fogo o mar inteiro
o invisível por terra a abundância simplesmente
aberta sobre o vale a elegia divisória o som
e a pálpebra. Entre o dia e a noite o fogo sugando
as direções os passos o calor do estio o frio
em si mesmo os dez mandamentos sobre as tábuas
ausentes os crentes como sempre e o túmulo berrando
ao cair da tarde. Um dia o dia há de tombar
longe dos poemas, finalmente morto na ausência
desigual, fantasma sem sombras por fingir.
Entre mim e as últimas vezes o êmbolo os sete
dias da semana derradeira o rosto e o ventre
cedo demais para ser estéril. Apesar de toda
canícula, tenho de ouvir sem excluir o coração,
devo ver com a lentidão da árvore
que cresce e a sobriedade fiel de todas
as estrelas, agora uma estrela reclama a sua parte de herança
quebra o pânico de se ter a noite pegada
de domingos longos por detrás do cão sem horas
nem vôos. O fogo por dentro de todos os silêncios,
o fogo vulgar saindo das trevas, o fogo
de antanho é o fogo ofegante, meretriz de crápulas,
barcaça de olheiras, porão maldito de ravinas,
tecelão sem misericórdia de nós. Entre mim
e a pressa o fogo se recompondo. Dar-te-ei
nenhuma lei, quero desejos e tulipas e sinos
e os pontos dos is. Regresso ao fogo de aranha,
vou cosendo juramentos para além do bem
e do mal, vejo o dia e a noite, sou pródigo
de coisas feitas. Entre mim e o alude o fogo
sem quietude, o crepúsculo o esfincter a alameda
antes da manhã a sugestão inexistente a gafe
a velha gafe a velha gafe corando de trespasse.

  Oscar Bertholdo in " Molho de Chaves ", EDUCS - Editª da Universidade de Caxias do Sul,
Caxias do Sul, 2001, p 201.
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