13/07/13

 
 
(...) só pensavam em dinheiro, nada sabiam de amor, comentava Rhema, eu desculpava-os, era o meu povo, a vida não os ensinara a seguir o amor, só o dinheiro, desejavam reencarnar numa casta superior, aquela que eu desprezara, não contemporizavam com frangues exóticos, olhavam para mim com o olhar de piedade dos ricos, o mesmo que inúmeras vezes vira soltar dos olhos do meu pai, eles, mais pobres do que eu, carecidos de um grande amor, o que nos sustentava era o arroz e o caju, tínhamos clientes certos no mercado de Pangim, abastecidos pelos furgões, o Augusto não vendia o arroz e os cajus a mais ninguém, orgulhava-se dos seus clientes de Pangim e não lhes dava troco quando lhe perguntavam o que fazia ali naquele sertão numa comunidade sem nome, isolado, no meio de gente rude, o Augusto levantava a mão, sorria com um sorriso bonito, nada dizia, eles percebiam, os portuguses tinham sido expulsos em 1961, o Augusto quisera ficar, isolara-se, longe das cidades, apiedavam-se dele, passavam-lhe a mão pelo cabelo, cumprimentavam-no à europeia (...) o Augusto abria as mãos, dizia, é aqui que me sinto bem, ao pé da minha mulher, e apontava para mim, acocorada à entrada do nosso casinhoto de taipa, descascando feijão, quando a Sumitha tinha dois anos um goês de Ribandar ofereceu uma grossa quantia pela menina, o Augusto expulsou-o a murro do nosso terreno (...) no final delirava, chamava-me Rosa, Rhema presumiu ser o nome da mãe dele, esclareci-lhe, não, era o nome da mulher que Augusto deixara em Lisboa, Rhema percebera quando Xavier a procurara recentemente, dizendo-lhe ter chegado a Goa um filho do Augusto, Rhema nunca desconfiara, nunca o marido lhe dera um indício de ter sido casado, amou-me muito, disse Rhema, tudo trocou por mim, conforto, dinheiro, cidade, crença, mas não imaginei que também tivesse trocado a mulher legítima pelo meu amor...
 
 
   Real, Miguel. O Feitiço da Índia. Alfragide: Pub. Dom Quixote, 2012, pp 320 - 322.
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