20/07/13

 
 
"Dentro de Casa" (Dans la maison, 2012) é o penúltimo filme de François Ozon, que em 2013 apresenta já em Cannes o seu "Jeune et Jolie" onde lança a jovem Marine Vacth. A obra de Ozon conta com alguns filmes de culto como "8 femmes" e "Le temps qui reste", onde importantes nomes do ecrã são chamados a ótimos desempenhos. Em "Dentro da casa", grandes actores como Fabrice Luchini (Germain, o professor de literatura), Kristin Scott Thomas (a mulher de Germain) e Emmanuelle Seigner (a mãe de Rapha, um amigo de Claude) têm excelentes interpretações. A grande revelação é, sem sombra de dúvida, a de Ernst Umhauer no papel de Claude. Este filme, baseado na peça "El chico de la última fila" do dramaturgo espanhol Juan Mayorga, situa-se no entrecruzar de vários géneros: o suspense, o melodrama e mesmo a sátira social, pois não nos podemos esquecer do olhar mordaz e cínico que Claude imprime aos seus relatos (as suas redações) quando descreve a família Rapha, cuja figura feminina é frequentemente referida de forma pejorativa como "a mulher da classe média". Tem a crítica assinalado duas influências importantes nesta película: "A janela indiscreta" de Hitchcock e "Teorema" de Pasolini, contudo, a minha leitura é ligeiramente diferente: a influência de Pasolini é mais formal do que de conteúdo, isto é, o herói do realizador italiano é um angustiado, um ser colocado no aberto da existência que nada pretende nem goza, e, se atendermos às concepções religiosas de Pasolini, quase se poderia dizer que estamos ante um anjo que anuncia, ora, Claude é exactamente o oposto. Claude é um manipulador, um perverso que colhe prazer no jogo e no domínio, esta personagem de Ozon, ao contrário da de Pasolini, nunca chega a partir (ver final do filme!), ela fica com a sua vítima porque precisa dela, deixar partir a vítima seria condenar-se a si próprio ao nada que suspeita ser. A construção da personagem de Ozon nada tem a ver, portanto, com a de Pasolini, também magistralmente interpretada, mas por Terence Stamp.
Por tudo isto, para mim, "Dentro de casa" não é apenas um filme sobre o voyeurismo, mas é, sobretudo, uma obra sobre a manipulação do outro e o domínio: Claude, um jovem de dezasseis anos
("loiro e tímido" como o descreve a empregada da secretaria da Escola!), introduz-se em casa de um colega de turma (Rapha), selecionado de forma gratuita, e a partir da observação directa dessa família vai tecendo uma teia de relatos que vão prendendo, cada vez mais, a atenção e o interesse do seu professor de literatura. Claude, para atingir os seus objectivos, cilindra tudo o que se lhe atravessa no caminho: ridiculariza Rapha, mantém um caso com a mãe deste, destrói a carreira profissional do professor, destrói igualmente o seu casamento já que chega ao ponto de ir para a cama com a mulher do professor... e, por fim, os seus objectivos (a certa altura do filme ele diz mesmo para Germain: eu sou como a Sherezzade que vai contando histórias para prender a atenção do sultão!) são conseguidos: o professor (em estado de depressão)! internado, desprotegido e ao seu dispor é completamente contaminado pelo seu voyeurismo. Claude tem, finalmente, à sua disposição, alguém com quem pode dialogar acerca de tudo, mas, principalmente, acerca das ficções que constrói a partir do que vai observando através das janelas. "Dentro de casa" de François Ozon é um filme brilhante!
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