11/02/13

"O universo não é produto das trevas e da ausência de razão."

 
(Nota- os temas da Razão, da Fé, da Criação e das Ciências Naturais no pensamento de Joseph Ratzinger).
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                            1. O carácter racional da fé na criação
 
   Esta compreensão tem de ser aprofundada ao longo de duas linhas de pensamento. A primeira coisa que temos de considerar é o "isso" da criação. Esse "isso" exige uma razão; ela aponta para o poder que estava lá no início e que pôde dizer: "Faça-se...". No século XIX isto era visto de outra maneira. As ciências naturais estavam profundamente influenciadas por duas grandes teorias: a da conservação da matéria e a da conservação da energia. Por conseguinte, o universo parecia ser um cosmos eterno, governado pelas imutáveis leis da natureza, dependente apenas de si mesmo e não necessitando de nada que lhe fosse exterior. Estava ali como um todo e por isso Laplace pôde dizer: "Já não preciso da hipótese de Deus". Entretanto, foram feitas novas descobertas. A teoria da entropia postula que a energia que é utilizada numa determinada área já não poderá ser recuperada. Isto significa que o universo está sujeito tanto à mudança como à destruição. O carácter temporal está inscrito nele. Depois disto, veio a descoberta de que a matéria se pode converter em energia, o que alterou substancialmente as duas teorias da conservação. Seguiu-se a teoria da relatividade, entre diversas outras que mostraram que o universo está de facto marcado pela temporalidade, uma temporalidade que nos fala de um início e de um termo, e da passagem de um princípio para um fim. Mesmo que fosse realmente impossível medir o tempo, poder-se-ia ainda assim compreender, através da obscuridade de biliões de anos, pela consciência da temporalidade, o que a Bíblia designa por princípio - o princípio que aponta para Aquele que teve o poder de dar origem ao ser e de dizer "Faça-se...", e assim aconteceu.
   Uma segunda consideração vai além do mero "isso" do ser. Ela tem a ver com o desígnio do universo, o modelo que foi usado na sua criação. Daquele "faça-se" não resultou a criação de uma qualquer amálgama casual. Quanto mais sabemos acerca do universo, mais profundamente nos sentimos impressionados por uma Razão cujos métodos só podemos contemplar com assombro. Ao aprofundá-los, podemos entender de uma maneira nova a Inteligência criadora à qual devemos a nossa própria razão. Albert Einstein afirmou que nas leis da natureza se revela uma Razão supeior" tal que tudo o que de significativo emergiu da razão e da concepção humanas é, em comparação com ela, o mais pobre reflexo". No infinitamente grande, no mundo dos corpos celestes, vemos revelada uma poderosa Razão que sustenta o universo. E estamos a penetrar cada vez mais no infinitamente pequeno, na célula e nas unidades primordiais da vida. Aí também descobrimos a Razão que nos surpreende, de tal modo que devemos dizer com São Boaventura: "Quem não vê aqui é cego. Quem não ouve aqui é surdo. E quem aqui não começa a adorar e a louvar a inteligência criadora é mudo." Jacques Monod, que rejeita toda a fé em Deus por ser não-científica e pensa que o mundo teve a sua origem numa interacção entre o acaso e a necessidade, afirma, na mesma obra em que procura apresentar e justificar sumariamente a sua perspectiva acerca do mundo que, depois de ouvir as suas conferências que foram posteriormente publicadas em livro, François Mauriac terá afirmado: "Aquilo de que este professor nos quer convencer é muito mais inacreditável do que aquilo em que se esperava que nós, simples critãos, alguma vez acreditássemos". Monod não nega isto. De acordo com a sua tese, todo o conjunto da natureza resultou de erros e dissonâncias. E não pode fazer mais do que dizer a si mesmo que uma tal concepção é absurda. No entanto, segundo ele, o método científico não permite que seja formulada qualquer questão para a qual Deus seja a resposta. A única coisa que podemos dizer é que um tal método é patético. É o próprio Deus que resplandece através da racionalidade da sua criação. A física, a biologia e as ciências naturais em geral deram-nos uma nova e inaudita explicação da criação, com novas imagens grandiosas que nos permitem reconhecer o rosto do Criador, e que nos permitem precisamente reconhecer, mais uma vez, que no princípio e no fundamento de todo o ser há uma Inteligência criadora. O universo não é o produto das trevas e da ausência de razão. Ele emerge da inteligência, da liberdade e da beleza que se identifica com o amor. Compreender isto dá-nos coragem para continuar a viver, confere-nos autonomia e faz-nos sentir confortados para assumirmos, nós próprios, a aventura da vida.
 
 
   Ratzinger, Joseph. No Princípio Deus Criou o Céu e a Terra. Cascais: Princípia Editora, 2009, pp 32 - 34.
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