10/01/10

.
.
Olhou para Mr. Borenius, que tinha perdido completamente o controle dos acontecimentos. Alec tinha-o desnorteado completamente.(...)De um modo directo e um pouco tolo, interrogava-se sobre o que poderia ter acontecido ao jovem Scudder, e depois retirou-se para visitar uns amigos em Southampton. Maurice chamou-o, gritando - Mr. Borenius, olhe bem para o céu... está todo em fogo -, mas um céu em fogo não era de proveito para o pároco, e desapareceu.
No meio da excitação sentia Alec perto de si. Ele não estava, não podia estar, estava algures naquele esplendor e tinha de ser encontrado, e sem hesitar um momento partiu para a Casa do Lago, Penge. Aquelas palavras tinham-lhe entrado no sangue, faziam parte dos desejos e das chantagens de Alec, e da sua própria promessa naquele último e desesperado abraço(...)Deixou Southampton tal como tinha lá chegado - por instinto - e sentia que não só as coisas não iriam correr mal desta vez, como também que não ousariam, e que o universo tinha voltado ao seu lugar. Um pequeno comboio local cumpriu o seu dever(...) Entrou na propriedade pela parte sul, através de uma abertura na cerca, e mais uma vez sentiu como aquilo estava quase ao abandono, quão inadequado para servir de modelo ou controlar o futuro. A noite aproximava-se, um pássaro chamava, animais corriam, seguiu em frente até ver o lago brilhar, e a silhueta escura do local do encontro, e ouvir o barulho da água.
Tinha chegado, ou quase. Confiante ainda, levantou a voz e chamou Alec.
Não houve resposta.
Chamou novamente.
O silêncio e a noite avançava. Tinha-se enganado.
"É o mais provável" pensou, e imediatamente controlou-se. Acontecesse o que acontecesse, não podia ir-se abaixo. Isso já tinha acontecido vezes demais por causa de Clive, e em vão, e ir-se abaixo neste lugar despovoado e cinzento poderia levá-lo à loucura. Manter-se forte, manter-se calmo, e confiar - eram ainda a única esperança. Mas o súbito desapontamento fê-lo ver como estava fisicamente exausto. Desde manhã cedo que não tinha parado, assolado por todo o tipo de emoções, e estava prestes a deixar-se cair. Dentro em pouco dicidiria o que fazer, mas a sua cabeça estava agora a estalar, doía-lhe o corpo todo e precisava de descansar.
A casa do lago serviria bem este propósito. Entrou e encontrou o seu amante a dormir. Alec estava deitado sobre umas almofadas, quase invisível na derradeira luz do dia. Quando acordou não pareceu excitado ou perturbado, e antes de falar acariciou o braço de Maurice.
- Recebeste então o telegrama -, disse.
- Que telegrama?
- O telegrama que te mandei para casa esta manhã, dizendo... - Bocejou - desculpa, estou um pouco cansado, tanta coisa... dizendo para vires cá ter sem falta. - E como Maurice não disse nada, nem poderia, acrescentou: - E agora já não nos vamos separar mais, e isso está decidido.
.
.
E. M. Forster In "Maurice", Edições Cotovia, Lisboa, 1989,
pp 277 - 279 (Tradução de Jorge Ayres Roza de Oliveira).
.
.