25/12/11

A prenda de Natal.

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Há feriados que deixam a cidade deserta. Nem vivalma nas ruas. Claro que, em termos ecológicos, até talvez seja uma vantagem, o problema é se queremos tomar uma bica - nem um café aberto, com o enorme serão que foi feito, noite adentro, na prática dos sentimentozinhos mais positivos. Mesmo assim costumo sempre ousar: meto-me no carro e acabo encontrando qualquer coisa, nem que seja uma gasolineira... Desta vez também consegui: um pequeno café numa das zonas luxuosas da cidade. Bebi a costumeira bica e, lembrando-me de algo, perguntei ao rapaz:
- Por acaso não têm uma embalagem onde possa levar duas bicas?
- Levar duas bicas?!
- Sim, é que tenho gente lá em casa e assim escusávamos de cá voltar. Às vezes há aqueles copos de plástico...
- Não, não temos!- Depois de olhar todas as prateleiras, rematou: - Só se levar nas duas chávenas!
- Nas duas chávenas?! - Exclamei eu com o ar de um imbecil que é apanhado de surpresa. Mas espere, espere... E já ele enchia as chávenas:
- Pode levar estas duas. Estavam para aqui... nós já nem as usamos.
Eh, ca ganda baile qu'este me está a dar - despertei eu - e atirei-lhe a farpa:
- Ah, já percebi, se hão de ir pró lixo, assim levo-as eu. - O rapaz fez-se desentendido. Pela surpresa dos dois empregados, e conversa entre todos, percebi que ele era o filho do dono. Depois das bicas tiradas, enroscou uma chávena na outra, colocou um guardanapo por cima e sorriu com ar de sacana:
- Como vê é fácil! Leva assim as duas bicas.
- Mas espere lá... e se eu comprar uma garrafa pequena de água e deitarmos lá o café.
- Não, não vale a pena! Olhe, entenda isto como a minha prenda de Natal! - E voltou a sorrir.
Eh, ca granda cabrão - pensei eu, imaginando-me já a fazer equilibrismo, rua afora, com as duas chávenas na mão: - eu não estou a levar um baile, isto é mas é um sarau com orquestra sinfónica e tudo, mas não perdes pela demora... e pus o meu ar de querubim recém purificado:
- Ah, se é a sua prenda de Natal, já é outra coisa... então, sendo assim, levo as chávenas.
E lá vim, rua afora mesmo, até ao carro, qual acrobata de circo... Depois atravessei a cidade, " a vinte à hora", com as duas chávenas "sentadas" no tablier.
Enfim... amanhã, ou depois, será o segundo acto, pois as chávenas já ali estão embrulhadinhas, só me resta encontrar uma loja aberta onde possa comprar um laçarote ostensivamente garrido, já que uma prenda de Natal - dada ou retribuida - tem de ter sempre um significado preciso.
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